sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

ARTIGO DE TARIQ ALI


Não pode durar muito mais porque os militares declararam que não dispararão contra seu próprio povo, o que exclui a opção da praça de Tiananmen. Se os generais (que sustentam este regime há muito tempo) faltarem com sua palavra podem dividir o exército e preparar o terreno para a guerra civil. Ninguém quer isso, nem os israelenses, que gostariam que seus amigos estadunidenses mantivessem o seu homem chave no Cairo tanto tempo que fosse possível. Mas isso também é impossível.

Washington quer uma “transição ordenada”, mas as mãos de Suleiman o Fantasma (ou o Senhor da Tortura como algumas de suas vítimas o chamam), que empurraram goela abaixo de Mubarak, também estão manchadas de sangue. Substituir um torturador por outro já não é aceitável. As massas egípcias querem uma mudança total do regime, não uma operação ao estilo do Paquistão, onde um civil sem vergonha substitui a um ditador uniformizado e nada muda verdadeiramente.

A infecção tunisiana se expandiu muito mais rapidamente do que se poderia imaginar. Após uma longa letargia induzida por derrotas (militares, políticas e morais) a nação árabe está despertando, A Tunísia impactou imediatamente a vizinha Argélia e esse estado de ânimo cruzou então o Jordão e chegou ao Cairo uma semana depois. Estamos sendo testemunhas de uma onda de levantamentos nacional-democráticos que lembram mais as agitações de 1848 - contra o Czar, o Imperador e seus colaboradores – que varreram a Europa e foram presságios de posteriores turbulências. Este é o 1848 árabe. O Czar-Imperador de hoje é o presidente da Casa Branca. Isso é o que diferencia estas proto-revoluções dos assuntos de 1989: isso e o fato de que, com poucas exceções, as massas não se mobilizaram elas mesmas no mesmo grau. Os europeus do leste se submeteram aos ocidentais, vendo nisso um futuro feliz e entoaram “Tomem-nos, tomem-nos, já somos vossos”.

As massas árabes querem romper com o horrível abraço. Os Estados Unidos e a União Europeia têm dado seu apoio a ditadores dos quais (as massas árabes) querem se livrar. São revoltas contra o universo da miséria permanente: uma elite cega por sua própria riqueza, corrupção, desemprego massivo, tortura e subjugação ao Ocidente. O redescobrimento da solidariedade árabe contra as ditaduras repelentes e os que as sustentam é um novo ponto de inflexão no Oriente Médio. Trata-se da renovação da memória histórica da nação árabe que foi brutalmente destruída pouco depois da guerra de 1967. Neste aspecto, o contraste não pode ser mais vivo. Gamal Abdel Nasser, apesar de seus erros e debilidades, viu a derrota de 1967 como algo sobre o qual teve que assumir sua responsabilidade. Renunciou. Mais de um milhão de egípcios se reuniram no coração do Cairo para pedir que ele ficasse no poder. E ele mudou de opinião. Morreu no cargo poucos anos depois, com o coração dilacerado e sem dinheiro. Seus sucessores entregaram o país a Washington e a Tel Aviv por um prato de lentilhas.

Os acontecimentos do último mês assinalaram o primeiro renascer autêntico do mundo árabe desde a derrota de 1967. Todos os cataventos sempre alertam para não se ficar nunca no lado equivocado da história e evitar sempre toda experiência de derrota, mas foram surpreendidos por estes levantes. Esqueceram que as revoltas e as revoluções, formadas por circunstâncias reais, ocorrem quando as massas, as multidões, a cidadania – não importa como as chamamos – decidem que a vida tornou-se tão insuportável que não será mais suportada. Para esta gente, uma infância pobre e a injustiça resultam tão naturais quanto um pontapé na cabeça recebido na rua ou um interrogatório brutal na cadeia. Já experimentaram tudo isso, mas quando as mesmas condições ainda estão presentes e agora já são adultos, então o medo da morte retrocede. Quando se atinge essa etapa, uma só faísca pode acender um fogo na savana. Neste caso, literalmente, como demonstra a tragédia do jovem que se imolou na Tunísia.

Estamos no princípio da mudança. As massas árabes não foram sufocadas pela força desta vez e não sucumbiram. O que oferecerão ao seu povo os que substituirão os déspotas na Tunísia e no Egito? A democracia, por si só, não pode alimentá-los ou dar-lhes emprego...

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