Dilma Rousseff e José Serra tonaram-se candidatos-parafusos. Com as ideias espanadas, rodam a esmo em torno dos mesmos assuntos. O debate deste domingo foi menos encrespado que o anterior.
Recolheram-se os punhos. Bom. Abortou-se a agenda religiosa. Ótimo. O diabo é que o tempo de sobra foi usado em rodopios ao redor do mesmo. As teses foram expostas em profundidade que pode ser atravessada por uma formiga de joelhos.
Antes de trocar o enredo em miúdos, a conclusão: As câmeras não testemunharam nenhum escorregão. O debate serviu mais para consolidar a preferência do eleitor do que para virar votos. Nesse sentido, foi mais últil a Dilma, à frente nas pesquisas.
Num olhar microscópico, Serra lidou melhor com o português. As frases de Dilma soaram enleadas. No último bloco, sua confusão brigou com o relógio. A pupila de Lula ajudaria a si mesma se banisse dos lábios a expressão “no que se refere a...”. Repetiu-a três dezenas de vezes.
De resto, a esperteza de Dilma, por repetitiva, começa a engolir a dona. Serra parece antecipar-lhe os lances. Livra-se das armadilhas com mais naturalidade. Para grudar no rival um pouco mais de FHC, Dilma puxou-o para a arena das privatizações.
Uma, duas, três, quatro vezes. Diferentemente do que ocorria no primeiro turno, Serra perdeu a vergonha de defender FHC. Disse que a campanha de Dilma “mente o tempo todo”. A privatização é a “principal mentira”.
Recordou que, sob Lula, a Petrobras concedeu mais jazidas petrolíferas à exploração privado do que na era FHC. “Se concessão é privatização, fizeram mais”. Remartelou declarações elogiosas que o atual presidente do PT, José Eduardo Dutra, fizera ao modelo de concessões.
No festival do mesmo, Serra repetiu que Antonio Palocci, hoje mandachuva da campanha petista, elogiou a política econômica de FHC. De resto, repisou a tecla de que a própria Dilma elogiara o processo que levou ao martelo as estatais telefônicas.
Como Dilma insistisse no tema, Serra disse, pela enésima vez, que não vai privatizar, mas reestatizar as estatais, hoje rateadas entre sindicalistas e políticos.
Sempre que o debate enveredou para temas específicos, Dilma esfregou na face de Serra mazelas de São Paulo. Educação? Os índices do Estado são “constrangedores” e os professores são tratados no “cacetete”.
Saúde? Serra negou-se a participar dos convênios do Samu (programa de ambulâncias), onerando os municípios. Segurança pública? “Quero ajudar a livrar São Paulo do PCC”. Drogas? O povo de São Paulo conhece a cracolândia.
A certa altura, Serra disse que a antagonista parecia candidata ao governo paulista, não à Presidência. Esgrimiu indicadores que distinguem São Paulo de outros Estados. Foi à jugular ao recordar que, em São Paulo, PT é freguês de caderneta do PSDB.
Perdeu “a eleição atual, a anterior, a anterior da anterior e a anterior da anterior da anterior”. Dilma contra-atacou de FHC. Contrapôs aos 5 milhões de empregos criados na era tucana as quase 15 milhões de carteiras assinadas sob Lula.
Perguntou a Serra se concordava com frase atribuída a um ex-ministro do Trabalho de FHC, que teria ”criado no Brasil a categoria dos ininpregáveis”. Referia-se a Edward Amadeo, que, ao assumir a pasta, em maio de 1996, dissera que o problema do trabalhador não era de emprego, mas de “empregabilidade”.
Serra tratou o comentário pelo nome correto: “Bobagem”. Disse que a injeção de FHC no debate não ajuda a iluminar o futuro. Insinuou que Lula serviu-se de tudo o que o PT rejeitara: as privatizações, a Lei de Responsabilidade Fiscal e, sobretudo, o Plano Real.
“A inflação chegava a 20% ao mês”, disse. Depois, foi à canela: “Tenho apoio de dois ex-presidentes, Itamar Franco e Fernando Henrique. Eles fizeram o Real. Dilma tem o Collor e o Sarney. A população pode julgar”.
Os escândalos só entraram no debate por meio das jornalistas escaladas para arguir os candidatos. A Serra perguntou-se sobre Paulo Preto, o homem da mala de R$ 4 milhões. A Dilma, sobre Erenice Guerra, a braço-direito dos parentes e do lobby.
Serra escorregou. Disse que afirmara desconhecer o ex-direitor da Dersa porque não sabia do “apelido racista”. Disse que ninguém jamais o informou a cerca de sumiço de verbas eleitorais –nem quem doou nem quem arrecadou. Absteve-se de comentar a nomeação de uma filha de Paulo Preto, que assinou.
Dilma reconheceu, pela primeira vez, que Erenice “errou”. Disse que vê os malfeitos com “indignação”. Afirmou que é contra o nepotismo e o tráfico de influência. E declarou que a PF está no caso, algo diferenciaria o governo atual do anterior.
Para fustigar Serra, Dilma recordou que Paulo Preto frequenta a Operação Castelo de Areia como beneficiário de propinas na principal obra viária de São Paulo: o Rodoanel. E não há, disse, vestígio de providência que o governo paulista tenha adotado.
Os candidatos têm pela frente pelo menos mais dois debates. Ou reciclam o discurso ou se arriscam a perder a (pouca) audiência. Na bica da eleição, não fica bem tratar o superficial como profundo.
Qualquer eleitor com dois neurônios sabe: 1) Que a gestão FHC não foi um governo-pastelão. 2) Que Lula deu o salto social impulsionado pelo colchão de estabilidade que o antecessor fabricara. Trocou a roupa de cama sem atear fogo na casa.
É hora de se concentrar em 1º de janeiro de 2011. Concorrem Dilma e Serra, não suas sombras. O superficial já não pode ser vendido como profundo, o aparente como latente. O excesso de espuma desrespeita o eleitor.
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